Antônio, João e Pedro: fé e tradição que se entrelaçam nos festejos juninos












Para muitos se trata do melhor período do ano. Envolto em música, dança e farta gastronomia, junho traz com ele o reforço e a valorização da cultura nordestina, embalando ritmos e tradições que são difundidos para todo o País. Mas, para além das fogueiras, quadrilhas e dos pratos típicos, a fé se mantêm presente nos festejos através de três importantes nomes da Igreja Católica: Santo Antônio de Pádua, São João Batista e São Pedro.

O afeto ao trio é comprovado em espaços físicos. Somente na capital cearense, são pelo menos dez paróquias dedicadas a eles, distribuídas em bairros diversos da Cidade. A esperança do matrimônio rodeia grande parte dos admiradores do primeiro homenageado do mês: Santo Antônio, celebrado no dia 13 de junho, data de sua morte. É tradição que nos treze primeiros dias do mês os fiéis estendam a novena - costumeiramente rezada durante o ano - para uma trezena.

Costume esse, incumbido na vida da professora aposentada Islai Monteiro, 60, ainda na adolescência, e transformada em devoção, até hoje, naquele que também é conhecido como padroeiro dos humildes. "Ele fez devoção aos pobres, então muita gente faz promessa e distribui pão aos necessitados. Também faço o responsório à Santo Antônio, que é uma oração muito forte quando estamos em perigo. Já fui até atendida", conta.

De São João Batista nasceu a tradição das festas juninas, antes chamadas de joaninas. É no dia 24 de junho, feriado em boa parte do Nordeste, que os católicos celebram seu nascimento. "Nossa Senhora foi visitar sua prima Isabel, mas teve que voltar à Nazaré e pediu que ela desse um sinal quando seu filho nascesse. Quando São João Batista nasceu, ela teria feito uma fogueira e avisado à Maria do nascimento", conta o padre Gilson Soares, da Arquidiocese de Fortaleza.

Fechando as homenagens do mês, o dia 29 de junho é dedicado a São Pedro, guardião das portas do céu, apóstolo de Jesus Cristo e, conforme explica o padre Gilson, escolhido como o primeiro papa da Igreja Católica. Pescador humilde, o santo também é tido como protetor de quem, até hoje, tem a pesca como forma de subsistência. "O nome dele era Simão Pedro e com seu irmão André estava pescando quando Jesus veio e o chamou. Ele deixou a pesca e seguiu Jesus, deixando de pescar peixe e passando a pescar pessoas", destaca o padre.

Simplicidade e humanidade que fizeram do universitário Jonathan Cavalcante, 21, um de seus devotos. "Conheci a história de São Pedro e vi que ele era humano e mesmo diante de tantas falhas teve uma possibilidade de conversão tão grande a ponto de ser o primeiro papa, passando a converter milhões de pessoas. Hoje eu tento pegar suas atitudes, que eu via no Evangelho, e aplicar no meu dia a dia", afirma o jovem.

Hoje tão intrínsecas nos costumes do povo brasileiro, as celebrações aos santos, ainda segundo o pároco Gilson Soares, nascem de manifestações trazidas da Europa, mas são adaptadas como cultura popular pelo Nordeste do país. A religiosidade e a devoção, acrescenta, atravessam gerações e são vistas hoje até nas tradicionais quadrilhas juninas. "Hoje as quadrilhas cantando musicas católicas e cristãs é um meio da juventude também evangelizar", aponta.

Sentidos

O processo de aproximação entre religiosidade e as festas do período é de difícil definição, habitando mais o imaginário do que o real, na avaliação do professor de cultura e mídia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tadeu Feitosa. No entanto, na construção dos significados de que se constitui a cultura e seus cotidianos, esclarece ele, o sagrado e o profano acabam se entrelaçando.

"Por mais que a marca profana das festas e suas ritualidades de prazer - com danças, comidas, brincadeiras - seja maior, inclusive coincidindo no Nordeste com a alegria das colheitas e seus rituais antropológicos de festas, há uma sacralidade que se mistura a isso. Esta é dada pela empatia dos santos comemorados pelo Catolicismo e seus devotos. Assim, a própria Igreja vem há anos se apropriando dos festejos populares para aumentar as devoções a Pedro, João e Antônio", diz.

Assim como foi no passado, e mantendo no presente, o significado disso, acrescenta o especialista, estará sempre atrelado às relações harmônicas que as pessoas têm consigo mesmas, incluindo suas culturas e as coisas do sagrado. Segundo Feitosa, mesmo profanas, as festas são sagradas, porque não se separam seus sentidos.

Tradição


Ainda de acordo com o professor, os festejos religiosos resistem apesar das mudanças geracionais por se tratarem de tradições, que se retroalimentam com seus tempos e espaços. "A resistência nasce desse tear de significados plenos, ininterruptos. As tradições dialogam e necessitam desses diálogos com os tempos atuais. É disso que nascem suas permanências. O que mudam são as roupagens, os adereços, que são repaginadas pelos signos do agora. As liturgias também mudam, mas se mantêm com o frescor do passado e as ventilações do presente", avalia.


Dr. Christian Dennys de Oliveira - Pesquisador em Geografia Cultural (UFC)
por Renato Bezerra - Repórter - Diário do Nordeste.

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