Judas em sábado de aleluia


JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA


1 - Um sereno fino recaia sobre o telhado da velha casa do seu Anjo Roque e da d. Maria Miguel. Cometi um erro grave: interpolei as imagens de 1987 com as de 1996. Sendo assim, o que eu idealizei que escreveria, não posso mais escrever. Não da mesma forma. Idealizei o Chico Rei e a Maria Anália, ali, sentado, o chuvisco caindo, os sapos cantando no brejado la embaixo, após o pé de juá e da cerca do quintal. Mas não, só agora me deparei com a falha. Misturei os tempos e às épocas. Mesmo assim, decidi escrever dessa forma, como se o personagem estivesse. Estranho essa memória, pois faz dias que pensei dessa forma, memorizando o que viria pra hora da escrita.

2 - O Chico Rei dizia:
“Eu matava!! Se encostassem um açoite em mim, eu matava!!”
Referia-se a uma conversa que ele e o Antonio Miguel estavam tendo e envolveu os tempos antigos, da época da escravidão. A chuvinha batia no telhado. A Maria Anália ao lado. O Antonio e a menta ali, e os compadres trocavam ideias. Eu, deitado na rede do canto, a chuva caindo no telhado, tempos brejados. Todas as grotas cheias. Espumas de sapos boiando. Tudo encharcado. A terra estava lavada e puba. Tudo muito a gosto do meu avô, Anjo Roque, amante das chuvas e grandes tempestades, invernadas sem fim.. “Serenos e garoas eram melhor, porque molha mais a terra”, dizia Anjo Roque.. “A chuva grande é boa, criadora; - a chuva demorada entranha mais na terra”. Muito embora mesmo a mais bonita é a que chega como se o céu estivesse caindo, uma tromba d’água.

3 - Sim, mas só agora percebi o Chico Rèi não estava nessa hora. Nesses últimos dias pensei na escrita. Só me dei conta do erro agora. Mas ele esteve sim, com a dita fala, mas em 1987. E chovia. Estimo dizer que seu Anjo Roque também estava ali, pois morava com o Antonio e a Menta. Na época da grande invernada o primo Antonio me disse: “o Pai Anjo ficou alegre e disse todo alegre, pra mim: ‘agora nós temos mulher em casa de novo’”. Se referia a Menta Veras, recém casada com o Antonio e logicamente indo morar no Curral Grande..

4 - Chovia muito. Sempre chovendo, fartamente. Os sapos cantam, cantam. Uma verdadeira Orquestra de Sapos. “Foi, não foi.. Foi, não foi”.. – Outros instrumentos são soados conforme o sereno fino recai no chão cearense, do Curral Grande, da comarca de Granja, distrito de Ibuguaçu.
Sempre chovendo.
Cedo, quando chegamos o sol tinia em solo alagado. Lama para todo lado. Não há na primeira memória a cena do meu avô, fato que me faz pensar agora. Centralizei a imagem, e outros detalhes se dispersaram. Se em 1987 choviscava, o Chico Rei tava ali, o Antonio e havia água nos rios, onde estava meu avô? – Decerto estava lá fora, no tucum, aproveitando a noite, o breu da noite e mais próximo dos serenos que molhavam o salseiro e mataparte que enfeitavam a frente da casa. No Estreito é certo que não estava.

5 - Na passagem que dava acesso pelo Zé Porfiro tivemos que empurrar a camionete. Deslizava até em chão liso, nos capins, ( gramado ). E houve outros empurrões nessa travessia.. Bem defronte a casa da Maria Ivoneide. Nem sei mais se o Zè Porifiro ainda era dono daquele terreno. Mas saberei. A escolha dos caminhos era calculada. Atolar, se atolava em qualquer lugar mais argilado. Era preciso calcular os terrenos. Chegamos ao Curral Grande com sol tinindo, apesar das chuvas que se alastravam no dia anterior. Grandes guerreiros percorriam aqueles trajetos. Homens que fizeram histórias. Estavam fazendo. Às onze horas os serenos caíram novamente. O sol fez seu brinde e escaldou nossas moleiras até as onze. Estava amarelo, límpido. Seu ímpeto violento, muito nordestino, quem visse diria querer lamber a terra com seu bajo causticante. Mas ninguém se importava, a terra estava encharcada. O sol tinha todo o direto de castigar os chãos novamente e fazer ver sua presença.


Autor: Miguel Fontenelle Roque Aragão

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Aluna de Granja, Ceará, é finalista do Prêmio Peteca 2023 na categoria poesia

HISTÓRIA | Os Ferreira Veras, colonizadores das terras da Ubatuba

Missa de 6 anos do falecimento de Chico Miguel acontecerá nessa quarta-feira, 09 de agosto de 2023