Biografia do Monsenhor José Carneiro da Cunha | Por Geminiano de Pinho Pessoa


BIOGRAFIA DO MONSENHOR JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, NO SEU CENTENÁRIO DE NASCIMENTO.


No dia 29 de março de 1866, o Padre Antônio Carneiro da Cunha Araújo (viçosense, nascido no lugar João Ferreira) tomou posse como Vigário da Freguecia de Santo Antônio do Iguaçu, do município de Granja.

Ingressando na política como Chefe do Partido Liberal, naquela região, conseguiu, graças à sua inteligência, cultura e prestígio, eleger-se Deputado, tendo atuação das mais brilhantes na Assembléia Provincial.

Com o perpassar do tempo tomou-se alvo das perseguições de seus adversários e, após sofrer amarga ingratidão dos seus paroquianos, abandonou por volta de 1873 a então próspera vila de Iboaçu, mudando-se, com toda a família e os amigos mais chegados, para um sítio pedregulhoso, na foz do rio Timonha, local outrora habitado pelos índios Tremembés.

Ali, entre enormes monólitos, foram improvisadas as moradias dos migrantes e levantada uma Capela sob a mesma invocação de Santo Antonio. Estava assim fundada a aldeia de Chaval.

Foi nesse lugarejo, embrionariamente tortuoso e acidentado, que veio ao mundo, no dia 5 de setembro de 1880 o menino José Carneiro da Cunha, filho de Francisco Carneiro da Cunha Araújo (irmão do vigário) e de sua mulher D. Raimunda Leopoldina Carneiro.

Recebeu o sacramento do batismo na modesta capelinha eregida por seu tio.

Aos cinco anos de idade, ainda em Chaval, ingressou na escola dirigida pela Professora Francisca Elisa Pinto.

Com 14 anos completos, ou seja, em 1895, foi mandado para Sobral, a fim de receber os ensinamentos do consagrado latinista, Professor Vicente Ferreira de Arruda.

Três anos mais tarde, em 1898, matricularam-no no Seminário Diocesano de Fortaleza, onde fez os cinco anos do Curso Preparatório e os quatro anos do Curso Longo, isto é, Filosofia e Teologia.

Foi tonsurado em 30 de novembro de 1903 e recebeu as quatro Ordens Menores no dia 30 de novembro de 1904.

Tornou-se Subdiácono em 30 de novembro de 1905 e Diácono em 31 de março de 1906.

Foi, finalmente, ordenado Sacerdote por D. Joaquim José Vieira (2.0 Bispo do Ceará), na igreja da Prainha, na manhã de 30 de novembro de 1906.

Cantou sua primeira missa em Chaval, no dia 13 de dezembro do mesmo ano de 1906.

Depois de permanecer curto período em sua terra natal foi designado, em 1907, Vigário Cooperador do então Pároco de Viçosa, Padre José Ferreira da Ponte.

Nessa qualidade, administrou a construção do altar do Coração de Maria, na Igreja Matriz, altar este que constituiu uma dádiva do Padre José Ferreira aos seus paroquianos.

Em março de 1908 foi designado Cura da igreja filial de Sant'Ana, da então Vila de Tianguá.

No desempenho dessas novas funções recuperou a Matriz da antiga vila Barrocão, adquiriu as bonitas imagens de Sant'Ana e do Coração de Jesus, construiu o altar-mor e a escada para o coro, tendo fundado ainda algumas irmandades das quais mereceram destaque o Apostolado da Oração, a Cruzada da Santa Infância e a Pia União das Filhas de Maria. Por provisão datada de 17 de fevereiro de 1912, do então Bispo do Ceará, D. Manuel da Silva Gomes, foi nomeado Vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Ac.sunção de Viçosa tendo, por si mesmo, tomado posse solene nesse ministério nc dia 17 de abril do mesmo ano.

Sua estada na nossa querida Viçosa foi das mais profícuas:

Logo no mês imediato — maio de 1912 — adquiriu, para a Matriz, dois candelabros, uma âmbula, uma custódia, uma estante, uma caldeirinha, um lavatório tendo mandado dourar dois cálices e caiar toda a igreja.

É de lamentar que alguns desses vasos sagrados e outros objetos de inestimável valor artístico e histórico já então existentes, tenham sido abusivamente vendidos ou dilapidados.

Em outubro do mesmo ano de 1912, recomeçou a construção da capela de Santa Luzia das Oiticicas — cujos serviços há muito se encontravam parados por falta de numerários — benzendo-a solenemente no dia 24 de junho de 1913.

Requereu e obteve do Sr. Bispo a necessária permissão para promover substancial reforma e ampliação na velha Matriz. Assim, construiu um vasto consistório atrás da capela-mor e levantou, numa das antigas sacristias, um altar provisório para a imagem de Nossa Senhora do Carmo.

No ano de 1915, com um pequeno auxílio que recebeu dos poderes públicos e as esmolas do povo, deu serviço a um grande número de flagelados, mandando fazer tijolos e botar material para a construção da torre do lado direito da igreja, tendo ainda iniciado as suas bases.

Em 1916, substituiu o primoroso sacrário de madeira do tempo dos Jesuítas — preciosa relíquia que conservou com todo o carinho — por um outro de metal, menor, mas com maior segurança.

Neste mesmo ano adquiriu um cálice e cinco artísticos parâmetos, mandou confeccionar uma essa (ainda hoje existente) e uma comoda com várias divisões para guardar as vestes e alfaias de uso litúrgico.

A 6 de janeiro de 1917 benzeu, com solenidade, a capela do lugar Carrapateiras.

Ao fito de propiciar mais luz e melhor arejamento no interior do histórico templo da sede, resolveu, em junho desse ano, aumentar mais as arcadas que davam comunicação da nave para os corredores laterais.

Para tanto, procurou ouvir antes a opinião abalizada de várias pessoas entendidas, as quais lhe asseveraram ser esse trabalho perfeitamente viável.

As obras tiveram início e, qual não foi a sua tristeza e desalento e a consternação de todo o povo, quando, às 8 horas da noite de 20 de junho de 1917, viu-se desabar toda a igreja com exceção apenas da capela-mor e da torre dos sinos, compartimentos de pedra feitos ainda pelos Jesuítas no início do século XVIII. No dia imediato à catástrofe, foi nomeada pelo Padre uma comissão presidida pelo Coronel Antônio Honório Passos, comissão esta que, angariando donativos de toda a espécie, logo iniciou o soerguimento da ampla Matriz, agora com belas linhas arquitetônicas.

Por ato do então Presidente do Estado, Dr. João Tomé de Sabóia e Silva, foi nomeado Prefeito Municipal de Viçosa. Assumiu dito cargo no dia primeiro de junho de 1919, permanecendo como gestor do município até 10 de agosto de 1920.

Tendo sido, em 13 de fevereiro de 1916, um dos fundadores do Gabinete Viçosense de Leitura, foi logo eleito seu Presidente. Como tal, construiu a garbosa sede da entidade, por ele próprio inaugurada em 13 de maio de 1920.

Mandou refundir o velho sino há muito atingido por uma faísca elétrica.

Associando-se ao comerciante José Firmino de Siqueira fundou a firma Siqueira & Cunha, empresa que, iniciando suas atividades no dia 14 de agosto de 1927, foi a pioneira no fornecimento de energia elétrica em toda a Zona Norte do Estado.

Em 18 de marco de 1928, benzeu a capela do Coração de Jesus, do lugar Campo do Meio, santuário construído às expensas do cidadão José Tibúrcio de Aragão, mas sob sua ad. ministração direta.

No dia 28 do mesmo mês e ano, criou canonicamente, na Matriz, a Pia União das Filhas de Maria e, logo mais, a Obra das Vocações Sacerdotais.

Em 1931 fundou a Legião Operária de São José tidade que chegou a congregar mais de mil associados. Edificou a sua sede social e a inaugurou no dia 20 de janeiro de 1934.

Construiu e benzeu solenemente, no dia 7 de novembro de 1932, a capela de Nossa Senhora da Saúde, no lugar nhoso.

Mesmo distante do seu rincão, dele nunca se esqueceu. Com o seu prestígio, conseguiu para Chaval um Posto Fiscal do Estado, uma Mesa de Rendas Federais e uma Estação dos Correios e Telégrafos.

Foi nomeado Inspetor Escolar do município de Viçosa, tendo tomado posse em primeiro de maio de 1936.

Aos 29 de agosto de 1937, foi fundada a Arquidiocese de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, contando, de início, com 67 associados.

Com muito carinho, construiu a Igreja de Nossa Senhota das Vitórias, no alto do morro do Céu e a escadaria de 276 degraus, que lhe dá acesso. Esta importante obra foi solenemente benta pelo Revmo. Sr. Bispo Diocesano de Sobral, no dia 14 de agosto de 1938.

Durante a sua vigararia, foram adquiridas para a Matriz de Viçosa e por ele solenemente bentas, as seguintes Imagens:

N.S. do Carmo (1914), São sebastião (1922), N.S das Graças (8.12 .23), São Benedito (20.09.25), São Lázaro (20 .12.25) São Pedro (29.06.29) , N.S. da Assunção (especialmente para sair nas Procissões, 28.06.30), Santa Inês (01.11.30), Santa Teresinha (15.08.31), N.S. das Vitórias (14.08.38) e finalmente N.S. do Perpétuo Socorro.

Por provisão de 31 de dezembro de 1938, de D. José Tupinambá da Frota, foi o Padre Carneiro nomeado Vigário da Paróquia de Santo António do Chaval, ficando, entretanto, encarregado da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa, até o dia 12 de fevereiro de 1939, quando deu posse solene ao Reverendíssimo Padre Manuel Henriques de Araújo.

Nas reiteradas Visitas Pastorais efetuadas, o Bispo D. José Tupinambá deixava sempre expressos elogios e louvores ao espírito profundamente religioso da população da paróquia ao mesmo tempo em que apontava como causa dessa benesse "a ação calma, prudente e zelosa do exemplar vigário".

Para a criação da Paróquia de Chaval, em 30 de setembro de 1938, foi exigido, pela Cúria, um patrimônio para a mesma. Como houvesse certa dificuldade em conseguir esse acervo pecuniário ou imobiliário, o Padre Carneiro doou, para isto, uma grande parte dos bens que herdara dos seus ancestrais.

Tomou posse na Paróquia de Chaval no dia 29 de janeiro de 1939 e o seu primeiro cuidado foi fundar as associações religiosas de São Vicente de Paulo, Pia União das Filhas de Maria, Congregação Mariana e Apostolado da Oração.

Em 29 de maio de 1940 recebeu o título de Monsenhor, como Prelado Doméstico de Sua Santidade o Papa Pio XII.

Em 10 de novembro de 1940 iniciou a demolição da velha ermida para, no mesmo local, construir uma basflica que, somente IO anos mais tarde, foi concluída. Nela, o altar-mor é todo de mármore colorido e foi importado diretamente da Europa. Seu alto custo foi pago exclusivamente pelo Monsenhor Vigário. A bênção dessa obra de arte foi oficiada pelo Sr. Bispo Diocesano de Sobral, em 16 de julho de 1950.

Sentindo-se alquebrado, afastou-se de suas funções entregando-as a um coadjutor.

Fez o seu testamento legando o restante de seus bens à Igreja para a construção e manutenção de obras pias e sociais, especialmente um patronato para a mocidade pobre e um asilo para a velhice desamparada.

Não nos consta que tais estabelecimentos já estejam concluídos mas soubemos que esse testamento fez que alguns dos seus parentes dele se afastassem.

Morreu piedosamente em sua casa, no dia 4 de novembro de 1966. Seus restos mortais repousam num jazigo que mandou construir no interior da sua grande igreja.

Como está bem visto, na longa permanência de 27 anos e 10 meses à frente dos misteres da Igreja na nossa idolatrada terra, o Padre Carneiro sempre se houve com muito aprumo, dispensando a todos o mesmo tratamento cordial.

Nunca foi escravo do dinheiro. Os rendimentos do Patrimônio e os parcos óbolos que lhe chegavam às mãos eram criteriosamente aplicados. Na oportunidade das missas conventuais costumava ele divulgar o movimento financeiro da Paróquia.

Das várias celebrações religiosas os atos da Semana Santa mereciam dele uma devoção fora do comum. Quanto sentimento imprimia durante a Via Sacra! Parecia acompanhar, ao vivo, o drama do Calvário.

Os de melhor memória talvez ainda tenham em mente a expressão de piedade que demonstrava na contemplação da XII Estação: Pensa no facínora... e pede para ele perdão.

Pensa na Mãe... e dá-lhe João por amparo. Pensa em nós... e dá-nos Maria por Mãe. Como Jesus é bom... mas... ele morre... inclina a cabeça... Solta o último suspiro... Morreu. Um Deus morreu por nós."

Como era comovente vê-lo, de joelhos, beijando os pés dos 12 velhinhos, ou deitado de bruços, no chão da capela-mor, entoando, a todo pulmão, a "Ladaínha de todos os Santos" 

Indifarsável era também o seu ar de satisfação após o brusco e emocionante rompimento da Aleluia.

Cidadão de muito caráter, sacerdote de intocável conduta e pastor dos mais sensíveis, sempre procurou ele — através de um misto de austeridade, polidez e afeição — defundir nos seus paroquianos um acendrado espírito de religiosidade; propagar entre os mesmos as acrisoladas virtudes da fé e da caridade e, sobretudo, despertar nos corações dos fiéis o res-, peito e o amor pelas coisas divinas.

Nós, viçosenses, radicados nesta Capital, não estamos apenas relembrando o belo passado um sacerdote amigo. Estamos cultuando a memória inesquecível de um Ministro de Deus que completa 100 anos de nascido e que, em vida, foi um verdadeiro Santo.

Fontes: Geminiano de Pinho Pessoa;
Revista Instituto do Ceará, Fortaleza, 100: 242-248 Jan/Dez 1980

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