O cemitério da Lagoa do Cercado| Miguel Fontenelle Roque Aragão

O CEMITÉRIO DA LAGOA DO CERCADO


[...] Essa burra é mansa, Lázaro, perguntei, no que ele disse que ela era muito espantada, o que não me pareceu ser boa ideia, mas a única monta para eu retornar ao Curral Grande. Então lá foi eu montar na burra do Lázaro, espantada, e que me deixaria sobressaltado sempre, haja vista que meu sono era grande, e certamente como poderia eu tirar um cochilo em cima dela se ela era espantada? O pior foi passar em frente ao cemitério da Lagoa do Cercado, onde estão enterrados os primeiros moradores do Estreito, pois havia muita gente morta, e todo mundo sabe que gente morta só gosta mais de passear a noite e rezas só lhes servem nos breus mais escuros, e raramente se já ouviu falar de marmotas em sol quente tinindo.
Ao se aproximar do cemitério sinto certos receios o que não era comum a minha pessoa, pois eu pregava contra almas de outros mundos, crenças das testemunhas de Jeová, pois se diz lá que ao morrer a pessoa a alma morre junto e não existem imortalidade da alma humana, não existindo vida no céu e nem no inferno. Mas lá estava eu em cima da burra do Lázaro, temendo um espante dela e ele me rebolar ao chão e temendo agora as almas de outros mundos, ou sei lá, o cão se esquecer que eu era testemunha de Jeová, e que pregava contra a crença que almas, visagens, assombrações e outras estrepolias fossem realmente alma de gente morta. A crença das TJs é que é o cão / capeta / diabo / satanás / quem realmente sai por ai imitando assombrações e almas, pedindo rezas e velas com intuito de enganar o povo sobre crenças da vida e do pós morte.

A MORTE DA MULHER DO MANÉ CHAGAS

Foi assim que eu aprendi nas testemunhas de Jeová.
Crendo ou não nisso não queria me ver sendo vítima de aparições, quer de almas penadas quer de demônios em sepulcros e covas de cemitérios.

O Chico Miguel, nos tempos do primeiro dos mundos, e tinha eu sei que lá que idade, teve que ir as pressas em busca de uma parteira no Pitimbu, ( e essa é uma lembrança das antigas ) – haja vista ter lembrança de cerca de três anos de idade neste Estreito dos Martins. Quando o Chico vinha com essa mulher, e me parece que na garupa do cavalo castanho do pai Anjo houve aparições e o cavalo se espantou. Não lembro ter ele levado outro cavalo pra trazer essa parteira. Ao que sei ( ou que consigo lembrar ) a mulher do Mané Chagas Morreu, mas o Chico jura ter sentido algo estranho nos ares e o cavalo se assustar à toa, o que faz crer que cavalos também tenham o dom de ver visagens e não somente os médiuns. Pelos breus das noites, e destas histórias que irei contar, se houve de haver almas assombradas estas não se dão muito bem comigo, pois já esteve em escuridão das mais medonhas e impossíveis.

Da chegada ao Estreito dos Martins e da parteira que nada mais pode fazer e morta estava a mulher e seu filho, então o Mané Chagas estava viúvo. Era filho da tia Frankalina Roque e do Lázaro Fontenelle.

ALMAS E VACAS

Para o Chico Miguel voltar ao Curral Grande, esta eu lembro bem, me requisitou para estar em sua garupa, e isso era coisa que eu jamais recusava, ir ao Curral Grande. Algumas lembranças se apregoam tão bem na mente como nódoa de caju ou tinta que cai em roupa branca. Estávamos no quarto que dava pro lado da casa do ti Pedro, adjacente ao da bodega do papai e o Chico contava sobre todo o ocorrido, a visagem, o cavalo se espantando e estrebuchando, quase a arremessa-lo ao chão e a morte da mulher, todo seu trabalho e prestatividade em vão. E foi assim que montei em sua garupa e fomos tarde da noite ao Curral Grande, e creio ter sido em toda minha curta vida naquelas paragens a hora mais tarde de tal ida pra lá. O Chico se pelava de medo e claro que eu em suas costas, montado em cima do cochin branco na garupa lhe dava mais coragem, pois todo mundo sabe que a pior coisa que existe são visagens traiçoeiras, e preferem aparições pelas costas, que é para provocar mais medos. Almas amam passar medo nas pessoas, as amedrontar, e isso surte efeito porque suas maiores delícias de suas vidas, - ( ou mortes ) – e pedir rezas, amam rezas.

Na igreja católica existe um ritual de se oferecer rezas pras almas no purgatório, e se tem compromisso de várias missas, rezas e novenas. Não lembro ao certo, mas fui conversando com o Chico até a casa do papai Anjo, e até lembro certos trechos da viagem como estando após a passagem do rio do Antonio Nunes e antes do rio do Raimundo Roque. Outra coisa que não lembro foi se percebemos que o cochin caíra e o Chico não quis juntar a noite, ou se somente percebemos quando chegamos, e eu me comprometera que antes que o dia raiasse eu deveria vir e ir em busca do cochim, antes que alguém por ali passasse. Minha mente aposta mais na possibilidade de que ele se renegou juntarmos o cochin naquela situação, até pelo que esse negócio de alma era a coisa que eu mais temia nessa vida: almas e vacas.

No outro dia, antes que o lusco-fusco se pronunciasse com maior claridade fui buscar o coxim, e lá estava ele na estrada e a alma não o raptara. Minha avó Maria Miguel conversava com alma e lhes fazia rezas. As almas tinham intimidades com ela, mas minha avó, apesar de uma bondade infinita com seus irmãos mais novos, que os criou a todos, seus filhos, e uma ruma de sobrinhos e sobrinhas órfãos tinham pouca paciência para almas intrometidas, fora de hora e que não tinham sinmancol em casa. Ela e o Anjo Roque deram acoito a diversos desses e não havia casa melhor para morar do que a casa do véi Anjo Roque[...]

A tia Justiniana Aragão e o Cecílio, pai do Antonio Pereira da Mariéte, e diversos outros tiveram guarita em seu teto e todos diziam que o ti Anjo era uma pessoal sensacional, brincalhão e que se via de cara zangada, mas tinha brincadeiras. Claro que mencionar os modos da Maria Miguel são desnecessário, extremamente acolhedora e bondosa com seu Sangue de Aragão.

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