A Balaiada na Ubatuba - 180 anos


A  Balaiada na Ubatuba – 180 anos

Naqueles conturbados dias de fevereiro de 1840, quando a população da vila de Granja encontrava-se extremamente aterrorizada com a presença de forças dos balaios em Frecheiras na província do Piauí, e temiam um eventual ataque à sede do município, o major João Pereira Jacinto Junior recebeu correspondência de Amaro José Fontenele, morador do distrito de Ubatuba, no lugar denominado Brejinho.

É importante salientar que Amaro Fontenele era político do distrito de Ubatuba e tinha uma certa influência na vida política na região, era um homem culto, considerado um bom versejador,  em 1824 quando fez parte do movimento da Confederação do Equador em Granja junto com Pessoa Anta, escreveu com outros vultos do movimento depois de dada anistia aos envolvidos um Pai Nosso em forma de verso que conta os feitos no movimento.

O missivista, que estivera recentemente em Granja, ao retornar a Ubatuba, destinou carta ao major João Pereira Jacinto Junior, narrando-lhe o estado de coisas em que se encontrava aquela região.

Amaro José Fontenele assegurava haver conversado com alguém que lhe dissera ter lido correspondência proveniente dos revoltosos, datada aproximadamente de 18 de fevereiro daquele ano, onde dizia-se que até o final do mês, mil balaios com 8 comandantes estariam em Frecheiras.
O autor dessa correspondência balaia, João Gomes, sobrinho ou algo semelhante de Raimundo Gomes, chefe dos balaios, também pedia ao destinatário que mandasse aprontar salitre, porquanto vinham carecidos de pólvora.

Em sua carta encaminhada ao major João Pereira Jacinto Junior, afirma Amaro Fontenele que os balaios faziam incursões audaciosas pelo o Poção, Serra do Olho d’Água e Serra do Arco, hostilizando os habitantes; cita, a seguir, os nomes de Pinho, Cebola e José Ponciano – prováveis moradores daquela região, e simpatizantes do movimento balaio.

Amaro Fontenele acrescenta na carta que na noite anterior estivera de virgilia, com alguns outros homens, nas imediações da casa de um certo Ribeiro, aguardando, em vão, um suposto ataque dos rebeldes, porquanto um negro chamado Silvestre, de propriedade de José Alves, viera comprar uma botelha de aguardente ás 7 horas da noite, o que os induzira a crer tratar-se aquilo de uma traça dos rebeldes balaios.

Com o fito de intimidar os revoltosos, Amaro Fontenele, cujo casamento estava próximo naquele ano de 1840, difundiu a falsa notícia de havia recebido uma carta de um alferes Monteiro, onde este dizia-lhe que passaria por ali com 60 praças, para assistir à cerimônia de seu casamento.

Abaixo a transcrição da carta de Amaro José Fontenele enviada ao Juíz de Paz de Granja, Major João Pereira Jacinto Junior, que em outras trechos  da Balaiada era chamado de João Pereira Cara Preta.

Sr. Major João Pereira Jacinto Junior
Ubatuba, 28 de fevereiro de 1840

Cheguei a este lugar felizmente e não achei maiores novidades a excessão das já vistas de minha ida a essa; acresse pmq pessoa dessas que conversão com ambas; mas sempre legal; disse: Que D. Fevereiro lera entre seus oficiais vindo dos rebeldes feito a 18 deste, mais, ou menos/ em que dizia que de o fim deste aí/ nas Frecheiras se achariam mil balaios com 8 comandantes e que aprontasse algum salitre que traziam falta de pólvora; este oficiante disse; e João Gomes, sobrinho ou qualquer que seja de Raimundo Gomes, e que tivesse sua gente pronta. Não sei dos daqui nada com certeza; que afirme, só que andam pelo Poção, Serra do Olho d’Água, e Arcos, audaciosos, dizendo aos que daqui encontram seus desaforos, Pinho e Sebolla, ou Jozé Ponciano, bem seu conhecido; esta noite passada passamos em virgilia aqui em casa do Ribeiro fazendo franquia de fora para esperar o ataque na casa isto por vir o negro Silvestre de José Alves as 7 horas da noite comprar a Bernardino uma botelha de cachaça que fez supor espreita; mas na saída se lhe pôs olho a ver o seu destino e marchou pelo caminho direito boa distancia como que foi de viagem, e nada apareceu toda a noite. Eu estou com o meu arranjo de casamento, e sempre receoso, não sei o que será pois Sebolla lá disse que queriam ver também esse casamento; disse estão no Poção com o velho José Alves eu espalhei que recebi carta do Alferes Monteiro que aqui passava com 60 praças de o fim deste, e que assiste ao casamento, isto pra ver de os espantar também. Parece-me seria bom dar esta parte sucinta ao Governo o que já tem Ozorio. Nada de chuva aqui.
A.Ds.sou de V.Sª.Patrº. Aº e obr.º
Amaro José Fontenele(18)

Tão logo o major João Pereira Jacinto Junior recebeu a carta vinda de Ubatuba, comunicou seu conteúdo aos camaristas granjenses que, reunidos em sessão extraordinárias, decidiram enviar cópia da mencionada correspondência ao Dr. Francisco Sousa Martins, em seu ofício ao presidente da província, a vereação granjense sugere aquela autoridade que, no caso de serem enviadas tropas para combater os rebeldes balaios na zona fronteiriça da vizinha província, a marcha das forças legais seja efetuada por Frecheiras, com o fito de expulsá-los dali. Ainda no ofício ao presidente da província do Ceará, exalta a participação como envolvidos na causa balaia Domingos Ferreira Veras, mencionado no texto como o Veras.

 Abaixo a transcrição do ofício:

Esta câmara avista da participação que recebeu o juiz de paz desta villa acompanhada da cópia que junta transmitimos a Vossa Excelência, e confrontando com cartas hoje recebidas da Parnaíba que nada de novo dizem possa alterar os nossos receios, esta persuadida que são falsos semelhantes boatos e de que seja autor o mesmo Veras, e outros da rebeldia das Flexeiras, persuadidos talvez que nos amedrontem tais boatos, e por isso não vamos persegui-los. Contudo esta Câmara apesar do exposto não deixa de tomar tais notícias em muita consideração, e lembra a Vossa Excelência que tendo de marcharem tropas para o Piauí, determine que seja seu transito pelas Flexeiras, afim de acabar de huma vez com aquella orda de malfeitores, que posto estejão debandados, não deixão de ser bastante imcomodos aos pacíficos Cidadõens, que lhes ficão conjuntos, principalmente aos moradores da Ubatuba.

Esta Camara tem satisfação de participar a Vossa Excelência que o povo deste Municipio goza de tranquilidade, se não perfeita por cauza de alguns intrigantes ao minos livre de rebeldes.
Deos guarde a Vossa Excelência muitos anos
Villa da Granja em Sessão extraordinária de 29 de fevereiro de 1840.
Ilustrissimo Excelentíssimo Doutor Francisco de Souza Martins
Deputado da Assembleia Geral do Brazil e Prezidente da Provincia do Ceará

Assinaram os camaristas granjenses:

Inacio Jozé Roiz Pessoa
André Bernardino Chaves
Luiz Antonio Motta
Thomaz Antonio Pessoa de Andrade
Jozé dos Anjos Viera de Amorim

Documento da Câmara Municipal de Granja, maço nº 40, caderno de 1840, APC

Em outra passagem da rica história do distrito de Ubatuba quanto ao movimento da balaiada o presidente da província do Ceará Francisco de Sousa Martins expedira ordens ao tenente-coronel da Guarda Nacional da vila de Granja, José Eusébio de Carvalho, para reunir ali a Guarda Nacional até receber novas ordens que lhe declarassem para onde a força deveria seguir, e mandar para aquela vila de Ubatuba 56 granadeiras com os seus correames e munições.

Tão logo o tenente-coronel José Eusébio de Carvalho reuniu alguns guardas e os armou, o inspetor de quarteirão de Ubatuba, distrito de Granja e distante 6 léguas da Frecheiras, requisitou ao juiz de paz e aquele tenente-coronel que auxiliassem-no com a força que pudesses, já que os rebeldes ameaçavam o distrito de Ubatuba, onde, por diversas vezes, tinham aparecido cometendo roubos e violências pelas casas dos moradores, as quais invadiam para pilhá-las.

O referido inspetor de quarteirão, reunindo sua vizinha, já havia tido no dia 18 de maio um reencontro com vários rebeldes que ele fizera dispensar depois de alguns tiros disparados contra si, receava uma desforra dos revoltosos.

O Juiz de Paz de Granja e mais alguns cidadãos estavam com o tenente-coronel Carvalho para que ele enviassem o auxílio reclamado; este, sem esperar ordens de Sousa Martins ou do comandante e chefe das forças, enviou ao inspetor de quarteirão 50 guardas nacionais de granadeiras com 250 cartuchos.

Este passo revelou-se ser de extrema imprudência, pois Ubatuba dista 14 léguas de Granja e somente 6 léguas de Frecheiras, podendo ser dominada por forças numericamente superiores, como realmente ocorreu.

Os guardas partiram de Granja no dia 20 de maio de 1840, e no dia 21, logo que chegaram ao lugar Curral Grande, 2 léguas antes da vila da Ubatuba, foram atacados pelos rebeldes, em número muito superior, calculado em 300 a 400.

Refugiando-se em casa, do tenente Francisco Elias Fontenele, que ali residia com sua esposa Ana Ferreira Veras, foram ali cercados pelos rebeldes e, depois de um dia e meio de sitio naquele lugar, em que ofereceram fraca resistência, sendo levados prisioneiros para Frecheiras, entre os prisioneiros o tenente Francisco Elias Fontenele, do Curral Grande, Joaquim Manoel do Santos, morador do Estreito, Amaro Fontenele e João Damasceno Ferreira Veras, moradores da Ubatuba, e tantos outros moradores, todos levados a Frecheiras, com apoio de Domingos Ferreira Veras, alguns conseguiram fugir dos domínios balaios.

Diziam-se que os prisioneiros eram conservados em liberdade e bem tratados, o que causou no presidente da província do Ceará, Francisco de Sousa Martins a suspeita de houvera má fé da parte daquele que reclamaram e instalaram pela remessa do destacamento para o distrito de Ubatuba.

A extrema imprudência do tenente-coronel José Eusébio de Carvalho deveu-se este desastre do Curral Grande, um saldo de muitas mortes e feridos naquele lugar. Do conflito do Curral Grande, surgiu alguns nomes como a Lagoa do Balaio e o Poço da Cruz ou Ponto da Cruz, além da lendas em torno do Coronel Chico Elias e dos Tenentes envolvidos naquele conflito.

Veja como o padre Vicente Martins narra os acontecimentos do Curral Grande

Durante a guerra dos balaios, de 1842 a 1843, a Ubatuba foi teatro de muitas lutas e conflitos. No lugar denominado Curral Grande, duas léguas distante da atual povoação de Ubatuba, as tropas de Granja, cerca de vinte soldados e muitos moradores armados, todos chefiados pelo tenente Francisco Elias Fontenele, comandante da força, o alferes Francisco Brício dos Santos, João Damasceno Ferreira Veras, Joaquim Francisco Cana Brava, José Alves Passos, Bernardo Alves Passos e Florêncio Alves Passos, que depois fugiram de Frecheiras e Mateus José Galheno e Joaquim Manoel dos Santos.
No conflito morreu João Gaudino da Silva, morador na fazenda Passagem da Itaúna, que se batia pelas forças legalistas contra os balaios e muitas outras mortes e ferimentos deram-se de um e outro lado.

Em outro trecho:

Em 1840 as forças dos Balaios acamparam em trincheiras no Piauí sendo patrocinados por Domingos Ferreira Veras que tinha ali a sua residência e era grande influência política. Espalhada no Ceará a notícia que Domingos Ferreira Veras incorporado aos balaios pretendia invadir a província do Ceará, o coronel Joaquim Ribeiro da Silva, de Sobral, pediu forças de Fortaleza para repelir a força inimiga.

Nesse interim os Balaios assaltaram a fazendo Curral Grande, prenderam a Francisco Elias Fontenele e levaram-o para Frecheiras. Ai negociou ele o seu resgate com Domingos Ferreira Veras que obrigou-se a mandar deixa-lo em Curral Grande por um cabo de sua escolta, mulato de confiança conhecido por muitas bravezas e perversidades.

Depois de léguas de desesseis léguas de viagem Francisco Elias Fontenele chegou em Curral Grande onde assassinou o cabo que devia voltar com o preço do seu resgate da seguinte maneira: Por ocasião do almoço em que os dois sentaram-se a mesa, um dos escravos do Chico Elias apresentou um queijo de grande tamanho para os servir, e como não houvesse faca a mesa para o partir, Francisco Elias pediu ao soldado o seu facão, o qual nada suspeitando entregou-o prontamente. Desarmado o cabo, os soldados de Chicos Elias que estavam escondidos a espera do desejado momento agarraram-o e Francisco Elias com a mesma arma varou-lhe o coração.

Chegado em Sobral, o contigente do Exército comandado por Francisco Xavier Torres, o coronel Joaquim Ribeiro da Silva reuniu a guarda nacional e seguiu para Granja e ali sendo auxiliado por João Alves Passos, Jacinto Alves, José Domingues, João Romão, Domingos Carvalho e João Paulo de Carvalho, designou todos os moradores para defenderem o governo e conseguindo formar uma força de mais de mil homens armados dividiu-a em diversos contingentes e marchou para Frecheiras por estradas diferentes, afim de impedir que os inimigos entrasse na província.

O coronel Joaquim Ribeiro foi pela Sambaíba, onde descansou com João Alves Passos, Jacinto Alves, José Domingues e um corpo de cavalaria de cerca de 200 homens armados.

Perto de Frecheiras reunidas as forças legais do Ceará, o coronel Joaquim Ribeiro e o tenente-coronel Francisco Xavier Torres mandaram um de seus soldados com um ofício intimando aos Balaios a retirada. Estes reconhecendo a maioria das forças legalistas e receosos de perderem a vida em combate, tocando debandada, abandonaram o local, tendo as forças do governo voltado dali sem darem combate.

Pesquisa professor Francisco das Chagas Sousa Costa, “Chaguinha Costa”
Fontes estudadas: Notícias histórico-chorographica da Comarca de Granja, padre Vicente Martins
Saco de Memorias, os Fonteneles, Antônio Batista Fontenele
Maria de Loudes Mônaco Janoti, A Balaiada, Coleção Tudo é História, vol.117, São Paulo, editora Brasiliense, 1987.
Documetos da Câmara Municipal de Granja, APC.
Quadros da história de Granja do século XIX, André Frota.








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